Sunday, March 19, 2006

CARTA Número IV


Meu Caro Cupim:
As sugestões amadorísticas em sua última carta advertem-me que é
chegada a hora de escrever a você sobre o doloroso assunto da oração. Você bem
poderia ter poupado o comentário tipo mostraram-se singularmente infelizes
sobre minhas advertências acerca das orações dele por sua mãe. Isto não é o tipo
de coisa que um sobrinho devesse escrever a seu tio - nem um tentador aprendiz
ao sub-secretário de um departamento. Sua postura revela também um pouco
recomendável desejo de fugir à responsabilidade; você precisa aprender a pagar
por seus próprios desacertos. A melhor coisa, quando possível, é manter o
paciente totalmente fora da intenção séria de orar. Quando o paciente é um
adulto recentemente reconciliado ao partido do Inimigo, como é o caso do seu
homem, o melhor é encorajá-lo a se lembrar (ou pensar que se lembra) da
natureza de conversa de papagaio em suas orações de infância. Em contraposição
a isso, ele deve ser persuadido a aspirar algo inteiramente espontâneo, mais
íntimo, informal e sem sistematização; e o que isso irá realmente significar para
o principiante consistirá em um esforço para produzir em si mesmo um estado
vagamente devocional, no qual a real concentração de vontade e inteligência
simplesmente não existem. Um de seus poetas, Coleridge, deixou registrado que
não orava com movimentos dos lábios e joelhos dobrados, mas simplesmente
dispunha seu espírito a amar e entregava-se a um sentimento de súplica.
Este é exatamente o tipo de oração que queremos; e desde que o referido tipo
sustenta uma certa semelhança com a oração silenciosa que é praticada por
aqueles que já estão bem adiantados no serviço do Inimigo, pacientes
amadurecidos ou preguiçosos podem ser conduzidos completamente nesta
sistemática por longo tempo. No mínimo, podemos persuadi-lo de que a posição
corporal não faz diferença em suas orações; pois eles constantemente se
esquecem de que são animais, e por isso tudo que seus corpos fazem afeta suas
almas e espíritos.
É divertido como os mortais sempre nos pintam como colocando coisas
em suas mentes: na realidade, nosso melhor trabalho consiste justamente em
evitar que certas coisas cheguem a suas mentes. Se isto tudo falhar, você deverá
retroceder em um sutil mau encaminhamento de sua intenção. Sempre que os
homens estão procurando fazer a vontade do Inimigo nós estamos derrotados,
mas há formas de evitar que eles façam assim. A mais simples destas formas é
desviar a contemplação deles do Inimigo para eles próprios. Mantenha-os na
introspecção de suas próprias mentes e na tentativa de produzir sentimentos
nobres interiores por sua própria vontade pessoal. Quando, por exemplo, eles
forem pedir ao Inimigo o dom da compaixão, deixe-os, ao invés disso, iniciar uma
tentativa de produzir sentimentos de compaixão por suas próprias energias e não
se aperceberem que é isso que estão fazendo. Quando eles começarem a orar
por coragem, dê-lhes uma convicção de serem dotados de bravura. Quando eles
disserem que estão orando pelo perdão, leve-os a já se sentirem perdoados.
Ensine-os a avaliar a eficácia de cada oração pelo seu sucesso em produzir o
sentimento desejado; e nunca permita que eles suspeitem que o sucesso ou
fracasso deste gênero depende de como eles estejam no momento, seja dispostos
ou doentes, lépidos ou cansados. No entanto, o Inimigo não estará ocioso neste
ínterim. Aonde houver oração, há sempre o perigo de uma ação Sua imediata; Ele
é cinicamente indiferente à dignidade de Sua posição, e à nossa, como
puramente espíritos, destarte, estando os animais humanos prostrados sobre seus
joelhos, Ele lhes passa o auto-conhecimento de uma forma completamente
indigna (quase sem-vergonha). Mas mesmo que Ele o derrote em sua primeira
tentativa, nós ainda temos uma arma sutil. Os humanos não possuem essa
percepção direta do Inimigo, a qual nós, infelizmente, não podemos evitar.
Os mesmos animais nunca conheceram essa luminosidade mortífera, que
dilacera e esse resplandecer abrasador que se torna um fundo de dor
interminável em nossa existência. Se olhar para o interior da mente de seu
paciente quando ele está orando, jamais encontrará nada dAquilo. Se você,
ainda, examinar o objeto ao qual ele serve, irá encontrar o que seria um objeto
complexo, contendo muitos ingredientes completamente ridículos. Ali haverão
imagens derivadas de figuras do Inimigo como Ele apareceu durante o pouco
digno de crédito episódio conhecido como A Encarnação: também há imagens
vagas - de todo selvagens e infantis- associadas às duas outras Pessoas da
Trindade. Haverá mesmo algo de sua própria reverência (e das sensações
corporais que a acompanham) que busca construir um objeto a ser associado ao
Objeto real de adoração. Eu tenho conhecido casos onde o que o paciente
chamava de seu Deus, estava na verdade localizado ao alto e à esquerda do
forro no quarto de dormir, ou dentro da própria cabeça, ou em um crucifixo na
parede. Mas seja lá qual for a natureza do objeto fabricado pelo paciente, você
tem que manter o alvo de sua oração NISTO - na coisa que ele mesmo fez e
nunca na Pessoa que o fez. Você pode até encorajá-lo a dirigir grande
importância à correção e melhoramento do objeto de seu culto, bem como
manter o dito objeto sempre em sua mente, durante qualquer oração. Pois se ele
vier a fazer a distinção, se ele conscientemente dirigir suas orações Não ao que
eu penso que Tu és, mas ao que Tu sabes ser, nossa situação será, no momento,
desesperadora! Desde que todos os seus pensamentos e imagens tenham sido
descartados para longe, ou se retidas, retidas com o conhecimento total de sua
natureza meramente subjetiva, e o homem passe a confiar na completamente
real, externa e invisível Presença que se encontra com ele no quarto, e que
jamais será dele conhecida tanto quanto o conhece - Ufa! - danos incalculáveis
poderão vir sobre nós. A fim de evitar esta situação - esta real pureza de alma na
oração - você será auxiliado pelo aspecto de que os seres humanos não desejam
tanto esta pureza quanto eles mesmo supõem. Permanece sempre o medo de
receberem mais do que haviam reivindicado receber.
Seu afetuoso tio,
Morcegão

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